Progresso: a maioria pensa nessa
palavra como sinônimo de melhora. É dessa ideia de progresso que surgiram as
principais ideologias políticas, teorias econômicas e correntes culturais.
A
ideia de progresso se converteu em uma religião humanista,
promovida inicialmente pelos racionalistas e hoje pelos progressistas.
Surgimento
e desenvolvimento da ideia de progresso
A
partir do livro "A ideia de progresso", de John Bagnell Bury, os
apologistas seculares do progresso sustentam que a ideia de progresso estabeleceu
suas bases empíricas durante a revolução científica e suas bases teóricas
durante o iluminismo, no século XVIII. No entanto, a ideia de progresso não
surgiu com a modernidade, mas foi concebida e elaborada por pensadores da
antiga Grécia, Roma e, especialmente, no Cristianismo.
Há
dois elementos constitutivos da ideia de progresso. Por um lado, há um elemento
descritivo (é possível descrever o progresso, por exemplo, tecnológico, como
foram surgindo as máquinas industriais, etc.). Por outro lado, há um elemento axiológico (nesse
sentido, o progresso é sempre considerado algo bom e desejável).
Os
gregos conceberam o progresso como geração e acumulação de conhecimento nas
artes e nas ciências. Para Platão, o homem transita de um estado natural até formas de
organização social e política mais complexas, que encontram sua expressão
máxima na Cidade-Estado. Aristóteles também elabora uma narrativa de trânsito do
homem, desde a organização tribal ao Estado político. Ambos adotam uma
perspectiva cíclica dos eventos humanos, assinalam que esses eventos ocorrem de
maneira espontânea e que as quedas e desastres são inevitáveis. Dessa maneira,
só a eternidade é real. Portanto, para os gregos, o progresso se cacaracteriza
por ciclos contínuos de ascensões e quedas, que encontram no passado, e não no
futuro, seu principal ponto de comparação e de referência.
Durante
o período romano, os autores mais importantes foram Lucrécio e Sêneca, que
também adotaram uma narrativa de desenvolvimento cultural e moral do homem.
O Catolicismo foi a
primeira religião a desenvolver uma visão holística do progresso. A ideia de
progresso adquire três características constantes:
1.
Uma concepção linear do tempo e a concepção de que a história tem um
significado orientado ao futuro. Notar a diferença para os gregos, que se
orientavam ao passado para descrever o progresso. Enquanto os gregos olham para
trás, os cristãos passam a olhar para frente.
2.
A doutrina cristã aporta a ideia de "uma só humanidade" e, portanto,
o caráter universal do progresso. Em outras palavras, o progresso está ao
alcance de todos os seres humanos por igual.
3.
A ideia de que o mundo pode e deve ser transformado, ou seja, a necessidade do
homem de exercer domínio sobre a natureza.
Um
mito amplamente difundido pelos progressistas é que, graças à introdução do método
científico no século XVII, a terra e o universo se convertem em objetos
formais de estudo científico. Isso é falso. É com a Bíblia
que o mundo e sua história se convertem em objeto de estudo e conhecimento
humano. No Gn, Deus dá a ordem para o homem dominar a terra, orientando o tempo
para o futuro, desde o momento da criação até a 2a vinda de Cristo. Assim, a
história tem um final e esse final será bom para os que consigam a vida eterna.
Aparecem, aqui, os elementos descritivo e axiológico da ideia de progresso.
Como
a criação foi feita de forma temporalmente linear (dias 1, 2, 3... da Criação),
fica eliminada a noção de ciclos eternos.
Santo
Agostinho teria sido o primeiro a deduzir da Sagrada Escritura uma ideia de
progresso aplicável a toda a humanidade. Na obra a Cidade de Deus, descreve o trânsito do
pagão da cidade dos homens à Cidade de Deus. Robert Alexander Nisbet vê quatro
grandes aportes de Santo Agostinho à ideia de progresso:
1.
foi o primeiro a propor uma concepção linear do tempo
2.
concebeu o progresso como uma série de etapas sucessivas irreversíveis
3.
considerou a humanidade como um todo
4.
projeta um final inevitável (que, em termos seculares, seria chamado de utopia)
Joaquim
de Fiore apresenta a história (da Igreja) em etapas de progressão para a
perfeição (não do homem, mas da Igreja).
Os
iluministas negaram completamente as contribuições do cristianismo para a ideia
de progresso, talvez por causa do otimismo transbordante gerado pela revolução
científica entre os séculos XV e XVII (uma revolução, aliás, levada
adiante por cristãos, o que anula o argumento dos ateus e progressistas de que
a fé anula a razão).
Figura
central da revolução científica foi Francis Bacon. Na obra "Novum
Organum" introduz o método baconiano, precursor do método científico, que
mudou completamente o método como o homem compreende, descreve e explica o
mundo, por causa do empirismo. Ele criticou a ideia de progresso vinda da filosofia
natural (Platão, Aristóteles), afirmou que é um dever do homem
conhecer a natureza e as leis que a governam.
Descarte
também criticou a ciência dos gregos, aportando um viés não tanto empírico, mas
oferecendo uma alternativa racional e teórica para a investigação. Para
Descartes, a natureza está regida por leis matemáticas e o universo nada mais é
que uma máquina que precisa ser desconstruída para seu conhecimento e
manipulação. Dessa maneira, o "cosmos" dos antigos dá lugar a um
"cosmos" matemático, governado por leis de causa e efeito. Ele não
desenvolveu diretamente a ideia de progresso, mas é um personagem chave, porque
é um dos grandes precursores do racionalismo. A partir do novo culto à razão,
do séc XVII em diante, a fé em Deus vai se transladando gradualmente à fé no homem
racional e, posteriormente, à fé na ciência e na tecnologia.
A
ideia de progresso foi formulada de maneira explícita pela 1a vez no final do
séc XVII na França, durante o debate (ou querela) entre os antigos e os
modernos. Esse debate também girou ao redor do progresso nas artes e nas
ciências. Os antigos sustentavam que nenhuma obra artística contemporânea seria
capaz de igualar as obras da antiguidade, como Homero, Platão, Sêneca. Mas os
modernos criticaram esse argumento de autoridade. Um dos seus representantes
mais importantes foi Fontenelle, fervoroso defensor da tradição cartesiana. Em
1688, declarou a inquestionável superioridade da modernidade sobre a
antiguidade, com base no argumento de que a humanidade melhora constantemente
na medida em que vai se educando. A visão dos modernos se tornou a dominante
nos inícios do séc XVIII.
O
séc XVIII é o século "das luzes". A ideia de progresso começa a
posicionar não o universo, mas o ser humano como principal sujeito e objeto de
estudo. Esse enfoque antropocêntrico marca a ruptura entre fé e razão
e acelera o processo de secularização na Europa. Filósofos notáveis,
como David Hume, destacaram o caráter acumulativo do conhecimento científico e
concluíram que progredir é um imperativo. Dessa forma, o progresso se converte
em um fim. Quanto mais saibamos, melhor estaremos, e portanto o presente será
sempre melhor do que o passado. Pouco ganhamos olhando para o passado e fazemos
bem de olhar para o futuro. Não é propriamente uma novidade em relação ao
cristianismo, mas há uma diferença: os modernos migram sua posição desde a
comparação para a predição. O progresso deixa de ter um norte definido. Se
antes era concebido como consequência, agora é transformado em causa. Essa
mudança é chave e continua sendo a base da orientação do progresso em nossos
dias.
Vai
surgindo, assim, uma constante necessidade de mudança e uma crescente idolatria
pelo novo. As coisas são melhores simplesmente porque são novas. E essa
mentalidade se transforma em obsessão da modernidade.
O
primeiro tratado sobre o progresso é do estadista francês Anne Robert Jacques
Turgot, em meados do séc XVIII. Afirmou que o progresso não se reduz às artes e
às ciências, mas se estende a toda a cultura, instituições, economia. Manteve a
convicção de que a humanidade transita para a perfeição (não a Igreja, como
Joaquim de Fiore), não pela Providência divina, mas pela razão humana. Essa
aspiração à perfeição aparece hoje, por exemplo, no pensamento
transumanista.
O
Marquês de Condorcet (Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat) refina a ideia de
perfectibilidade, ao aspirar à perfeição da mente humana, para a qual elabora
uma ideia de progresso dividida em 9 etapas, que vão do barbarismo à utopia
final representada por um mundo de plena liberdade, igualdade e justiça. Nesse
mundo perfeito, ninguém passa fome e a mente humana desenvolve todo o seu
potencial sem nenhum tipo de restrições, especialmente de tipo religioso. Ao
afirmar que todo conhecimento humano é adquirido pela experiência Turgot e
Condorcet mostram a forte influência do empirismo britânico em suas ideias,
especialmente John Lock (pai do liberalismo inglês) e de George Berkekey e
David Hume (provavelmente o maior representante do iluminismo escocês). Turgot
e Condorcet também afirmam que o progresso científico depende do tecnológico e
vice-versa. E esse progresso seria reforçado pela maior liberdade política, e
vice-versa. Eles não definiram a ideia de progresso. Se bem que a maioria
inclui nesse conceito as ideias de desenvolvimento e acumulação material, essa concepção
reducionista é perigosa, porque ignora as necessidades imateriais do
homem, como seus afetos e o desenvolvimento espiritual.
Vemos,
então, que o séc XVIII se caracterizou por um crescente rechaço ao determinismo
religioso e ao passado. O natural dá lugar ao artificial. Cresce a obsessão
pelo material e pelo novo e a ideia de progresso alimenta rapidamente o racionalismo politico
e social. Esse racionalismo impulsiona o surgimento das primeiras doutrinas
políticas e econômicas normativas (ao contrário de ser meramente prescritivas).
Se
a razão agora basta para construir sociedades livres e pacíficas, a moral
moderna é sequestrada pelos benefícios gerados pela ciência e tecnologia. Em
outras palavras, quanto mais conhecimento, maior o desenvolvimento científico e
tecnológico, maior a acumulação material, maior bem estar e maior felicidade. O
progresso é moral na medida em que acompanha o progresso material. A maior
oferta de bens tecnológicos também cria mais necessidades materiais e isso se
traduz em mais desejos por parte do homem. O chamado do cristianismo a
controlar esses desejos não só é ignorado, mas atacado: desejar mais é
moralmente bom. A busca da sabedoria moral é superada pela maximização das
utilidades e pela satisfação de desejos individuais e coletivos.
A
partir dessa lógica secular de acumulação, Jeremy Bentham propõe sua teoria de felicidade
para o maior número, o que dá origem ao utilitarismo, que incorpora o hedonismo (o prazer
como o bem maior) à ideia de progresso.
O
progresso, que a partir da modernidade é concebido como desenvolvimento de bem
estar material, impõe essa marca durante a Revolução Industrial (segunda metade
do XVIII e primeira metade do XIX). A narrativa do progresso industrial é uma narrativa
econômica, na qual a mecanização da produção é impulsionada por máquinas a
vapor e o desenvolvimento de indústrias têxteis e ferroviárias dá início a
um acelerado processo de urbanização e crescimento econômico.
Se
bem que esse crescimento tenha sido frenético, não chegou a todos. E isso gerou
diferentes interpretações sobre o suposto alcance universal do progresso. Um
dos primeiros a perceber os potenciais efeitos da abundância na nascente
sociedade de consumo foi o economista inglês Thomas Malthus. Em 1798, publicou
anonimamente seu ensaio sobre o princípio da população, onde alerta sobre a
incompatibilidade entre um ilimitado crescimento demográfico e os limitados
recursos alimentares. Essa ideia, que hoje denominamos a armadilha
maltusiana, constitui um dos pilares argumentativos da agenda
ambientalista.
Outro
teórico chave foi Henri de Saint-Simon. Em "Cartas de um habitante de Genebra"
(1802), propõe que os cientistas e engenheiros substituam os sacerdotes para
liderar a criação de uma nova ordem social. Desta maneira, advoga por uma sociedade
industrial guiada científica e moralmente por uma elite de tecnocratas (tecnocracia), que
deve guiar o processo de industrialização, para a produção de bens úteis à
sociedade. Em1825, publica seu trabalho mais influente, chamado "Novo
cristianismo", tentando harmonizar sua fé cristã com seus postulados
tecnocráticos. Para ele, é um dever moral desse cristianismo
socialista lutar pelo melhoramento físico e moral das classes mais
desfavorecidas.
Discípulo
de Saint-Simon, Augusto Comte transformou a ideia de ciência e de progresso em
uma religião. Criou a sociologia, desenvolveu o positivismo, método
de investigação que postula que o conhecimento só pode ser adquirido pelos
sentidos. Durante a década de 1830, ele publicou uma séria de livros que giram
em torno da filosofia positivista, argumentando que as sociedades humanas
progridem em três fases: a etapa teológica (idade infantil da humanidade), a
etapa metafísica abstrata e a etapa positiva, na qual a mente humana combina
empirismo e razão para investigar as leis que regem as ciências sociais. Em 1852,
publica "Catecismo da religião positiva", em que estabelece dogmas,
sacramentos e lugares de peregrinação. Descreve sua ideia de paraíso terreno,
onde a humanidade é guiada pelos descobrimentos das ciências sociais, que
permitem a liberação de todas as crenças e costumes limitantes do passado.
Apesar
da acumulação material promovida durante a revolução industrial, o paraíso
terreno prometido pelo progresso ainda estava muito distante de acontecer. O
capitalismo, que nasce com as indústrias têxteis em Manchester, converteu
alguns em milionários, mas submeteu milhares de trabalhadores a condições de
vida deploráveis.
Essa
realidade representou um duro revés empírico para a tese universalista de
progresso. Charles Dickens escreveu livros de ficção para descrever e criticar
uma realidade extremamente dura. Mas também surgiram respostas e alternativas
ideológicas e políticas ao progresso, destacando-se com nitidez o projeto
comunista de Engels e Marx. Ambos reconhecem a influência cultural de pioneiros
do anarquismo e do socialismo, como Pierre Joseph Proudhon e Saint-Simon. No
caso particular de Marx, a influência de Hegel também é muito evidente,
principalmente a dialética senhor-escravo, que Marx traduz à
luta de classes. No Manifesto Comunista (1848), ambos ressaltam as contradições
do capitalismo, prognosticam sua decadência e ascensão do socialismo e sua
consolidação final como comunismo. Durante esse processo de transformação, os proletários
se uniriam e chegaria o paraíso comunista do proletariado. Há mais na obra de
Marx, mas isso basta para posicioná-lo como um dos grandes teóricos do
progresso.
Outro
grande personagem é John Stuart Mill, pai do socioliberalismo britânico, grande
admirador da filosofia positivista de Comte, a ponto de considerar seu livro
"Filosofia Positiva" como texto-guia para a humanidade. Em
"Sobre a liberdade", Mill distingue entre sociedades estacionárias e
progressivas, nas quais gradualmente aumenta e se exerce a razão, mas marca
distância do socialismo utópico de Comte, argumentando que
a ciência e a democracia liberal não só são compatíveis, mas configuram o
melhor modelo para a expressão das liberdades individuais. Em
"Utilitarismo", Mill conecta utilidade, liberdade e instituições
políticas, argumentando que a humanidade progride se a utilidade
social aumenta com o tempo, mas se afasta da aritmética
moral de Jeremy Bentham ao apontar que é melhor ser uma pessoa
insatisfeita que um servo satisfeito, criando uma diferença qualitativa entre
os prazeres, entre prazeres superiores e inferiores (qualidade
dos prazeres). Diferentemente de outros teóricos do progresso
contemporâneos, Mill não acreditava na inevitabilidade do progresso, pois o
progresso pode estacionar ou involuir se não forem produzidas as mudanças
institucionais adequadas. Uma das maiores inconsistências do postulado de
progresso de Stuart Mill e que perdura na atualidade é que assumiu que os seres
humanos aprendem de seus erros, o que, se fosse verdadeiro, significaria que o
ser humano teria aprendido algo dos circos romanos e da escravidão e não teriam
surgido os campos de concentração nazistas e os gulags soviéticos. Mill
sustentava que todas as nossas crenças devem estar baseadas na experiência, mas
nem ele nem os outros teóricos do progresso submeteram suas teorias aos
rigorosos postulados do empirismo.
Se
o séc. XVIII é considerado o século do progresso, mediante a razão, o século
XIX foi o do progresso mediante a ciência. A publicação da "Origem das
espécies", de Charles Darwin (1859), não só dá origem à biologia
evolutiva, mas também é utilizada para desenvolver a ideia de progresso
em termos evolutivos. O responsável por essa inovação teórica é Herbert
Spencer, filósofo do progresso mais famoso do século XIX. Spencer entendeu que
o progresso é um processo de diferenciações constantes e sucessivas, que partem
de estruturas simples e homogêneas, que posteriormente chegam a estruturas
complexas e heterogêneas (evolucionismo social). Spencer combinou a visão
mecanicista dos séculos XVII e XVIII e a visão científico-tecnológica da primeira
metade do séc XIX, com sua própria versão evolucionista, articulando, assim, um
conceito de progresso que resulta da seleção e sobrevivência dos mais fortes. Sob
essa perspectiva, o ideal de cooperação da humanidade deu lugar a uma lógica de
competição. Desta maneira, o progresso deixa de ser aleatório e passa a ser um
projeto em que os sujeitos menos aptos e imperfeitos de uma sociedade devem
desaparecer (sobrevivência dos mais fortes). Essa lógica de
competição posiciona a civilização europeia como a expressão mais avançada de
evolução social. Em conjunto com o método positivista, ficou justificada a
comparação com civilizações consideradas primitivas, e isso derivou em uma concepção
hierárquica de civilizações, com Europa no topo. Também classificou as
diferentes raças humanas, segunda suas supostas capacidades mentais, com a raça
caucasiana branca no topo.
Com
o surgimento da eugenia, no final do século XIX, o racismo adquiriu legitimidade
científica e associou raças consideradas inferiores a sociedades primitivas.
Robert
Nisbet sustenta que, durante o século XX, o progresso secular finalmente
conseguiu sua máxima expressão nas duas guerras mundiais, na grande depressão,
nos excessos do comunismo, fascismo e nacional-socialismo, nos horrores dos
campos de concentração e na guerra fria. A promessa de um paraíso de abundância
material e ilimitados prazeres se converteu no maior inferno da história.
Em
nome do progresso impulsionado pela moral racionalista, cientificista, utilitarista,
hedonista e materialista, foram justificados genocídios, que destruíram
estruturas sociais, culturais, políticas, econômicas de dezenas de países no
mundo. Por outro lado, não se pode negar que durante o século XX também se
produziram grandes avanços científicos e tecnológicos, mas não é difícil
concluir que os custos para a humanidade, em seu afã por progredir, foram muito
altos.
A
queda do muro de Berlim (1989) e o colapso do comunismo soviético, devolveram o
otimismo pelo progresso. Um dos primeiros a sustentá-lo foi o intelectual
americano Francis Fukuyama, que em "O fim da história" (1992), declarou
a superioridade absoluta da democracia liberal e a morte de alternativas
ideológicas a esse modelo.
A
recuperação econômica experimentada pelos EUA, Europa ocidental e Japão nos
anos 80 reforçou um otimismo que se estendeu na década seguinte a países do
sudeste asiático e América Latina. Palavras como competitividade e globalização começaram
a ser parte essencial de todos os discursos de progresso e a irrupção e
massificação da internet fez mais crível a ideia de uma aldeia global.
Houve
o vertiginoso desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TICs),
somaram-se grandes conquistas científicas e tecnológicas (telescópio Huble, genoma
humano, GPS, clonagem...).
Iniciado
o novo milênio, o casamento entre globalização, ciência e tecnologia renovou
completamente a fé secular no progresso. E ao redor desse renovado credo, começou
a se reciclar o comteanismo cientificista, que hoje conhecemos como
progressismo. Toda narrativa de progresso precisa contar com propósitos e
inimigos declarados para justificar sua imposição. Os sacerdotes seculares do
progressismo, representados por uma comunidade internacional de políticos, financistas,
burocratas, gurus da tecnologia, artistas, estrelas desportivas, encontraram na
doutrina do direito humanista e no aquecimento global seus pontos de partida. A
partir dessa base, diversificaram sua ambiciosa agenda política, econômica e
sócio-cultural, incorporando as causas LGBT, gênero, feminismo, multiculturalismo, animalismo. E
identificaram seus milhões de opositores (os cidadãos comuns) como inimigos do
progresso.
Entre
os principais pensadores do progresso de hoje, destacam-se Jeffrey Sachs, o
neurocientista britânico Ray Montales e, provavelmente o mais famoso de todos,
Steven Pinker (psicólogo americano que contribui com as duas obras mais
populares sobre a ideia de progresso). A primeira delas é "The better
angels of our nature", em que argumenta que durante as últimas décadas
todas as formas de violência humana decresceram notavelmente devido à nossa
capacidade de raciocinar e a um sentido mais elevado da moral secular. Essa capacidade
e esse sentido se traduziram em maior autocontrole e empatia para com os
demais. O outro livro é "Enlightenment Now", em que defende a razão,
a ciência e o humanismo como motores do progresso. Ele nos convida a abandonar
o otimismo [?] e compartilhar seu tecno-otimismo, que ele sente ameaçado pelo
pós-modernismo e pelo fanatismo religioso.
Também
existem os céticos do progressismo. Alain de Botton, Nassim Nicholas Taleb, que
demolem uma das bases empíricas do primeiro livro de Pinker. E também Roger
Scruton e John Ray. Esses autores apresentam uma concepção muito mais completa
de progresso. Eles não o reduzem à sua dimensão material. Recorrem a um
empirismo muito mais rigoroso, para provar que, se bem nossas condições
materiais melhoraram, nossa natureza humana segue sendo a mesma dos nossos
antepassados. Neste sentido, John Gray assinala que o desenvolvimento
científico e tecnológico e a acumulação de conhecimento são dimensões quantificáveis
e mensuráveis. No entanto, não somos moralmente superiores aos nossos
antepassados. Ademais, as instituições que regulam nosso comportamento
predatório não eliminam nossos vícios.
Hoje,
predominam visões otimistas baseadas na ideia de progresso dos séculos XVIII e
XIX, que novamente vão se tornando dogmas e resultando em sociedades
desprovidas de identidade e cultura. A acelerada difusão do relativismo convida
mais à desconfiança do que à esperança, e justifica as dúvidas que muitos de
nós temos, pelo menos para os próximos 30 ou 40 anos, sobre a possibilidade de
um futuro melhor.
Valemos
cada vez mais pelo que temos e não pelo que somos. A ideia de progresso segue
vigente, mas hoje foi sequestrada pelo progressismo. Os cabeças dessa seita de orientação
globalista continuam usando e abusando do termo em suas narrativas e discursos
públicos, enquanto apontam e condenam a milhões de pessoas de ser seus
opositores, rotulando-as, por exemplo, como fundamentalistas, homofóbicos,
racistas, misóginos e outros qualificativos. É imposta a crença de que a
liberdade e o prazer individual aumentam se são destruídos os laços com as
tradições, valores e costumes do passado, o que leva a uma completa destruição
da identidade, não só do indivíduo, mas também das sociedades em seu conjunto.
Essa crise de identidade se manifesta com crueza em todos os indivíduos livres
que decidem adotar o prefixo trans como parte de sua nova não-identidade (desde os
transgêneros até os transespécie). A combinação de um hiper-individualismo sem
identidade com o dogma do multiculturalismo dissolve os vínculos sociais a
nível de nações, comunidades e famílias. Esse vazio gera numerosas necessidades
imateriais que o relativismo moral do progressismo não pode
satisfazer. O credo de que o maior bem-estar material equivale a maior
progresso impulsiona outro credo, o do hedonismo, ou nosso suposto direito de
satisfazer nossos ilimitados prazeres. Para consegui-lo, seria indispensável
trocar o velho pelo novo, constantemente. Mudar só por mudar, preferir o novo
só por ser novo, são impressionantes imperativos morais em nosso tempo.
Nesse
vídeo, fiz um largo percurso pela ideia de progresso, no qual tentei cobrir
seus pensadores e teóricos mais importantes, tomando também em consideração o
contexto no qual desenvolveram seus argumentos e propostas. Devido à
complexidade do tema e a questões de tempo, minha lista de personagens é
necessariamente incompleta. Por exemplo, na Prússia dos séculos XVIII e XIX
destacam-se os grandes aportes de Herder, Kant e Hegel. No iluminismo escocês,
foram muito importantes as contribuições de Adam Ferguson, Adam Smith e Thomas
Kirline, enquanto no iluminismo francês Voltaire e Rousseau participaram
ativamente no desenvolvimento teórico do progresso. Também não devemos ignorar
as ideias de progresso de Benjamin Franklin e Thomas Jefferson nos EUA.
Pois
bem, a primeira grande conclusão desse vídeo é que nenhuma ideia secular e
moderna de progresso pode ser explicada sem reconhecer o fundamental aporte do
judeu-cristianismo, tanto em sua criação quanto em seu desenvolvimento. Quando
escutarem um progressista afirmar que a ideia de progresso lhes pertence,
sorriam, mostrem compaixão e, se puderem, esclareçam-nos.
A
segunda grande conclusão é que reduzir o progresso a bem estar material é um
atentado contra a evidência, tanto histórica quanto científica. Se algo
distingue o homem dos animais, não é só a sua capacidade de raciocinar, mas
também sua necessidade de transcender. Reduzir o homem a um autômato submetido
exclusivamente a cálculos de custo-benefício só faz sentido aos anticientistas
e aos antirracionais, ou seja, para os adores da deusa ciência e da deusa
razão. Se não acreditam em mim, escutem a Suite n. 1 para violoncelo de Bach,
fechem os olhos e imediatamente entenderão a que me refiro.
A
terceira grande conclusão é que o homem jamais pode ser considerado um meio,
mas um fim para alcançar o progresso. Esse fim deve ser a felicidade, o que se
consegue, entre outras coisas, mediante a satisfação de suas necessidades
materiais e imateriais básicas.
A
quarta grande conclusão é que o progresso nunca é verdadeiramente progresso, ou
deixa de o ser, quando dispomos dos mais frágeis e vulneráveis e os descartamos
para beneficiar os mais fortes e bem acomodados. É progresso fabricar fármacos
a partir de embriões humanos ou a partir de órgãos de bebês abortados? É progresso
ver nossa privacidade completamente invadida por empresas tecnológicas, a preço
de uma experiência mais "personalizada" no uso das redes sociais? É
progresso submeter crianças pequenas a terapias hormonais em nome do gênero e
da diversidade sexual? É progresso ridicularizar e atacar as pessoas que
acreditam em Deus e destruir suas Igrejas e templos em nome da tolerância? É
progresso calar ou ser censurados para não ofender a quem não está de acordo
com o que pensamos?
Seja
por indiferença ou ignorância, ou as duas coisas, as pessoas não refletem sobre
os riscos de viver uma vida submetida aos ditames do progressismo. Também se
cai no erro de reduzir a difusão e imposição das diversas agendas progressistas
a questões meramente ideológicas, seja neomarxismo, sócioliberalismo ou liberprogressismo. A
realidade é que são as potencialidades da ciência e da tecnologia que impulsionam
a doutrina do progresso no séc. XXI. Penso nas tecnologias convergentes
(especialmente, inteligência artificial, biologia sintética, nanotecnologia) e
o imenso poder político e econômico que acumulariam aqueles que as concentrem e
controlem. Penso também nos transumanistas, que repudiam nossas limitações e
imperfeições e sonham em substituir o homo sapiens por humanoides, quimeras e
cyborgs. Se as pessoas soubessem que a ficção científica está se convertendo
rapidamente em realidade e que a versão de progresso do transumanismo já é
política pública global, talvez despertariam da letargia. A ciência e a
tecnologia modernas nos oferecem muitos benefícios e devemos ser agradecidos
por isso, mas ignorar ou minimizar seus possíveis riscos é adotar uma atitude
irresponsável e contrária à aspiração de progresso real. Com isso, encerro o
tema de hoje e espero que esse tema faça vocês refletirem.
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